quarta-feira, 7 de julho de 2010

Jason Fried: “É difícil trabalhar no local de trabalho”

Para o autor do recém-lançado Rework, as empresas dificultam a produtividade dos funcionários
RODRIGO TURRER
Trabalhar em casa, sem chefes e sem reuniões. É isso que prega o americano Jason Fried, dono da 37 Signals, uma empresa que desenvolve aplicativos para a internet e tem mais de 3 milhões de clientes. Escritor e blogueiro (37signals.com/svn), Fried colocou algumas das filosofias que usa na empresa em seu segundo livro, Rework (Retrabalhe, em tradução livre), escrito em parceria com seu sócio, David Heinemeier. Para eles, é imperativo haver uma mudança radical no modelo de gestão de empresas e no método de trabalho. “Não nos deixam trabalhar no trabalho”, diz Jason Fried nesta entrevista a ÉPOCA. “Os locais de trabalho são baseados na interrupção, e a interrupção é a maior inimiga da produtividade e da criatividade.”

QUEM É
Empresário, fundador da 37 Signals, especializada em desenvolver aplicativos para a internet
O QUE FEZ
Formado em finanças pela Universidade do Arizona, foi diretor criativo de empresas de web design antes de fundar a 37 Signals
O QUE PUBLICOU
Autor de dois livros sobre negócios: Getting real, de 2007, e Rework. Mantém o blog sobre estratégias de negócios (37signals.com/svn)
ÉPOCA – O que há de errado no método de trabalho da maioria das empresas?
Jason Fried – Há vários erros no modelo de gestão de empresas e de funcionários. Definir prioridades o tempo inteiro é um deles: tudo parece prioritário; logo, nada tem prioridade. O planejamento é outro ponto falho. Planejar é ótimo quando ocorre de fato. Muitas vezes esse planejamento é puro achismo: ideias abstratas baseadas em premissas desconhecidas e pressupostos que não sabemos se vão ocorrer ou não. Mas, para mim, o principal problema é a forma como trabalhamos e os locais para fazer isso. É difícil trabalhar no trabalho. Não nos deixam.
ÉPOCA – Como assim?
Fried – O escritório, ou como queira chamar o local de trabalho comum, está repleto de interrupções. Se você fizer uma rápida pesquisa com seus colegas, vai perceber que a maioria prefere executar as tarefas pendentes de manhã cedo ou tarde da noite. Ou levar trabalho para casa, nos fins de semana. Esse não é o melhor jeito de trabalhar. Não se trata de uma questão de preferência dos funcionários. É uma decorrência do erro na estrutura dos locais onde trabalham.
ÉPOCA – Mas as pessoas produzem, não?
Fried – As pessoas trabalhariam melhor se não fossem interrompidas. A interrupção é a maior inimiga da produtividade e da criatividade. O modo de trabalhar acaba se adaptando à interrupção. Colegas falam, riem, andam de lá para cá, telefones tocam, chefes convocam reuniões o tempo inteiro. Em vez de uma jornada de trabalho, temos momentos de trabalho ao longo do dia. Você chega, liga o computador e tem uma reunião em 50 minutos. É um momento de trabalho. Depois da reunião, você volta irritado porque a reunião foi perda de tempo e vai almoçar. Na volta, passeia na rede social, conversa com um colega sobre algo banal, outro o chama para ver um vídeo no YouTube... De repente, são 5 da tarde e você não fez nada do que precisava. É assim que as empresas funcionam hoje, não importa em qual ramo de atividade estejam.
ÉPOCA – Se elas funcionam assim, por que precisariam mudar?
Fried – Mudar, se adaptar a novas realidades, é difícil para qualquer um. De fato, é provável que as empresas não precisem mudar. Mas sempre podemos fazer as coisas melhor do que fazemos. Por isso, mesmo as companhias bem-sucedidas devem dar uma chance para a mudança. É pena que empresas tradicionais sejam alérgicas à palavra mudança.
ÉPOCA – As pessoas também podem estar satisfeitas com seu ritmo de trabalho atual e com as pausas que fazem ao longo do dia, não?
Fried – Claro, não somos robôs. Não podemos eliminar todas as interrupções do dia a dia. Se alguém me chama insistentemente, cutuca meu ombro ou me liga o dia inteiro, não posso me desligar disso como desligo um aplicativo. Mas posso me desligar daquilo que causa dispersão para me concentrar no trabalho, como fazemos quando estamos com o prazo estourado. Deixamos de dar ouvido às brincadeiras ao nosso redor e até paramos de ler as mensagens instantâneas e os e-mails a todo instante. As pessoas que exigem respostas imediatas têm de ser mais pacientes. Até porque, quando se trata de negócios, poucas coisas são tão emergenciais a ponto de não poder esperar.
“Detesto a frase ‘Menos é mais’. Menos é uma opção para melhorar
sua vida. Trabalhar menos deixa tempo livre para viver melhor“

ÉPOCA – Ignorar os colegas ou o chefe não pode ser interpretado como uma dificuldade em trabalhar em equipe?
Fried – Muitas mudanças não estão apenas ao alcance dos funcionários. As empresas podem melhorar a filosofia de trabalho como um todo. Principalmente ao evitar a ação inoportuna de gerentes e diretores. Porque o trabalho deles consiste em interromper o dos outros. Gerenciar é sinônimo de interrupção: perguntar a quantas anda o trabalho, se está pronto, convocar reuniões para saber como está sendo feito e, assim, interromper e interromper e interromper...
ÉPOCA – Então é melhor trabalhar sem chefia? Em sua empresa não há chefes?
Fried – Há chefes, mas eles não interrompem – eu espero (risos). As empresas acham que seus funcionários precisam de babás. Essas babás são os gestores, a chefia, que se pendura no cangote dos empregados cobrando cada tarefa. Na minha empresa nós não gerenciamos as pessoas, preferimos que elas se gerenciem. Se precisarem de ajuda, procuram os superiores. É muito melhor do que nomear gestores para interromper.
ÉPOCA – Não é um método um pouco anárquico? E, se os funcionários não fizerem seus papéis, quem vai cobrá-los?
Fried – Não é a cobrança que vai fazê-los desempenhar seus papéis: é o interesse. Se estiverem interessados em fazer o trabalho, farão. Para medir se estão fazendo o trabalho direito, basta checar a produtividade, cumprimento de prazos e tudo o mais. Nomear um fiscal para checar a cada meia hora se o trabalho está sendo feito é improdutivo. E chato.
ÉPOCA – Você acha que trabalhar em casa é mais produtivo que no escritório?
Fried – Na maioria das vezes, sim. Claro que depende do tipo de pessoa que você é – e da casa que tem. Há quem prefira o isolamento e a solidão para ter foco. Mas muitas pessoas encontram interrupções em casa: crianças, cachorro, empregados. Ou se deixam seduzir por dispersões como a TV, os livros, a música, a cama. Para a maioria das pessoas, trabalhar em casa todos os dias seria improdutivo. Mas todos podem se beneficiar de um trabalho em casa ocasionalmente. Uma vez por semana, duas vezes por mês. Isso ajudaria a produtividade e mostraria a importância do menos.
ÉPOCA – O que você entende por “menos”?
Fried – Meu lema é: menos é menos. Detesto a frase batida “menos é mais” porque tem embutida nela a filosofia de que mais é melhor. Nem sempre mais é melhor. Menos sempre é uma opção para melhorar sua vida. Trabalhar menos dá tempo livre para viver e trabalhar melhor. Ter menos empregados permite ter empregados melhores e mais comprometidos. Hoje, a filosofia nos negócios tem como única opção o mais: você precisa crescer rápido, vender mais, produzir mais, lucrar mais. Claro que é importante crescer, vender e lucrar. Mas muitas vezes perdemos o foco e somos desonestos com nossos projetos de vida por causa disso. O melhor exemplo são os viciados em trabalho. Todos admiram os workaholics como se eles fossem heróis. Estão errados: eles não são heróis. O verdadeiro herói está em casa, porque arranjou um jeito rápido e prático de resolver seus problemas e fazer seu trabalho.

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