Isabel Lucas Entrevista.
Dez anos de investigação resultaram numa reportagem que conta os 13 anos que a corte de D. João VI passou no Rio de Janeiro como uma aventura. Para lá da caricatura, o jornalista Laurentino Gomes defende que o DNA do Brasil está em 1808, ano em que uma corte "corrupta" fugiu de Napoleão O subtítulo deste livro é uma provocação?Essa é uma técnica jornalística: provocar o leitor. Se eu pusesse assim: A Corte Portuguesa - Novas Dimensões, venderia dois exemplares e teria muito prestígio na academia. Prefiro ser lido. O título é uma técnica jornalística como fazer uma chamada de capa, um bom lead. Este livro foi todo pensado como uma reportagem?Sem dúvida. O título é para provocar. Até porque a rainha era louca, o príncipe era medroso, a corte era corrupta e eles enganaram Napoleão. Tudo isto é verdade. Mas há aqui um lado caricatural associado a esta corte que é explorado. O que mais me encantou foi o facto de lidar com pessoas com características muito humanas. Não há ali heróis, reis sábios, rainhas perfeitas. São todos muito frágeis, como D. João, que era um príncipe solitário, tímido, que não tinha sido preparado para governar. Só foi rei porque o irmão, D. José tinha morrido com varíola, a mãe ensandeceu e ele assumiu o trono numa situação muito improvisada. Era uma pessoa dada a crises de depressão. Governava um país de recursos muito escassos. Não tinha exército, não tinha recursos naturais. Não se pode é resumir o papel que essas pessoas tiveram há 200 anos a uma caricatura. Foram muito mais do que isso. Essas pessoas desempenharam um papel muito importante na História do Brasil e de Portugal. Não se pode resumi-las a caricaturas. Mas esse lado da caricatura sobrepõe-se, tanto em Portugal como no Brasil, não é?Sim, mesmo entre os historiadores. Houve muitos que carregaram na caricatura. Tenho uma explicação para isso: depende do lado em que estão os historiadores. O lado caricato do D. João, como um rei abobalhado, incapaz de tomar decisões, que comia franguinhos todo o dia vem de Portugal e não do Brasil. No Brasil, D. João sempre foi um rei visto de forma mais generosa. O rei incapaz vem da visão portuguesa. Os portugueses se ressentem da fuga do rei para o Brasil.E é dessa tese que este livro parte. A de que o que aconteceu em 1808 foi uma fuga. Porquê?Foi uma questão semântica com que me deparei. Existem muitos malabarismos semânticos. Há historiadores que falam em "mudança", "transferência voluntária", "transmigração". Isso não passa de uma tentativa de disfarçar o que realmente houve. Em 1807 D. João não tinha alternativa. Mas não se deve confundir fuga com cobardia. Numa situação de desvantagem, num campo de batalha, às vezes fugir é uma atitude corajosa. Foi uma decisão orientada pelos seus ministros. Não se deve confundir a pessoa do D. João com a corte portuguesa. D. João tinha fragilidades muito grandes. Era muito indeciso, mas estava rodeado de homens muito sábios. Consciente das suas fragilidades, delega poderes a outros que governam em seu lugar. Como é que esse rei tímido, medroso, inseguro, conseguiu enfrentar pressões poderosíssimas num momento tão decisivo da história e sobreviver, e tomar as decisões aparentemente correctas? Era assessorado por um grupo de pessoas experientes que salvaram a sua biografia.Outra tese é a de que o Brasil não nasceu há 500 anos mas há 200.Até 1807 não existia um Brasil, mas vários brasis; não havia um sentimento de identidade nacional. As rivalidades eram muito grandes. Se D. João VI não fosse para o Rio de Janeiro e passasse a funcionar como elemento agregador dos interesses das diferentes províncias, o Brasil provavelmente se teria pulverizado, desagregado em três ou quanto repúblicas. Até 1807, o Brasil era uma fazenda de Portugal. Quando D. João vai embora, em 1821, o Brasil estava pronto para se tornar independente. D. Pedro é visto como herói pela sociedade, mas o verdadeiro herói é o D. João. O Brasil nasce, então, em 1808? O DNA do Brasil está em 1808. Em 1500 foi descoberto, mas foi criado como país em 1808. Para o bem e para o mal. Esse período da corte portuguesa no Brasil foi de muita corrupção, muita promiscuidade nos negócios públicos e privados. D. João inaugurou o sistema de troca de favores .Significa que a corrupção no Brasil é uma herança portuguesa?(risos) Sim. De certa forma, é uma herança portuguesa. Esse tipo de promiscuidade já existia, mas foi exacerbado. O rei chegou precisando de dinheiro e os ricos da colónia passaram a financiar o rei em troca de benefícios e de títulos de nobreza. Durante os 13 anos em que a corte permaneceu no Brasil houve mais títulos de nobreza do quem em todos os 500 ou 600 anos anteriores da História de Portugal. Esse encontro entre uma corte pobre e uma colónia plebeia é fascinante. Houve uma troca de interesses e muita corrupção. O positivo é que surgiu um país grande de fronteiras preservadas, o grande herdeiro da cultura portuguesa no mundo. Para o bem e para o mal, o DNA de Brasil, está em 1808.Fonte: Diário de Notícias (Lisboa/Portugal) em 08/02/08
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