sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Em uma recente fotografia em um tablóide, Richie, que nos últimos anos parece ter se transformado de uma beleza travessa em uma fealdade apática, é mostrada saindo de um prédio comercial em Los Angeles, com um copo de vitamina cor-de-rosa de frutas na mão, usando uma camiseta que vai quase até os joelhos. A imagem convida à especulação a partir de várias frentes: seria aquilo uma bebida dotada de cafeína capaz de prejudicar o feto? Ou um coquetel carregado de calorias? E neste caso, isso significaria que Richie voltou a comer? E, então, a gravidez está de fato confirmada?
Quase diariamente surgem fotos similares de Britney Spears, cuja figura mais pesada e menos equilibrada usando uma roupa de verão desmazelada sugere histórias a respeito de suas deficiências maternais e filiais, bem como a sua queda do super-estrelato. Lindsay Lohan, que parece ter alterado completamente a sua origem étnica ao se tornar uma loura bronzeada, aparece disfarçada mesmo quando usa muito pouca roupa.
Nenhuma questão é muito pequena ou insignificante para sites como TMZ, X17online, PerezHilton, idontlikeyouinthatway, justjared, egotastic, wwtdd, dlisted e pinkisthenewblog, nos quais os frequentadores dos sítios inserem fotos com comentários ('Parasita de Hilton: Alguma Coisa Está Crescendo na Face Dela'), e convidam outros a fazer o mesmo. 'Ela tem o estômago mais esquisito', lemos em um comentário no idontlikeyouinthatway. 'Posso enxergar nos seus olhos que ele não é perfeitamente normal', diz um outro, a respeito do filho de uma celebridade, no X17online. Escrutinando cada pixel de clavículas protuberantes ou barrigas vulneráveis, passamos a tratar esses corpos como manuscritos em sânscrito.
Por que estamos procurando tanto? E o que esperamos encontrar?
Atualmente é quase difícil lembrar, mas a antiga frustração presente na imprensa voltada para a área de entretenimento se devia ao fato de as celebridades quase não pisarem em falso. Uma falange de agentes publicitários e estilistas monitoravam os famosos de forma tão atenta que eles sempre pareciam estar compostos, elegantes, comportados e (para usar um termo antigo) 'penteados'.
Lembro-me de que há apenas cinco anos vi uma entrevista gravada feita por David Frost com Elizabeth Taylor e Richard Burton, na qual todo mundo fumava, parecia bêbado e trocava insultos. Eu estava convicta de que nada do gênero algum dia tornaria a aparecer nas telas.
Mas eu não sabia de nada. A "Us Weekly" e revistas similares logo reinventaram as fotografias de celebridades, trocando as poses produzidas e fotos de festas pelas fotografias tiradas em flagrante. Mas elas não buscavam apenas as fotos de tapete vermelho, ou aqueles flagras que ocorrem uma vez na vida: Gary Hart com Donna Rice, Kate Moss com cocaína. Em vez disso focaram-se no mundano: estrelas em supermercados, parques para cães, pátios de estacionamento. Em meio à luz natural as celebridades adquirem uma aparência indistinta, e às vezes caseira. No início, pensei: "Quem se importa com isso?". Mas depois as revistas me ensinaram a me importar, e a confundir as novas imagens de celebridades desgrenhadas com intimidade, como se intimidade fosse algo que se conseguisse ao dividir um quarto com uma celebridade em uma clínica psiquiátrica.
Jennifer Aniston com o olhar pensativo gerou uma manchete sobre o seu sofrimento desde que se divorciou de Brad Pitt. A legenda me atraiu para os olhos de Aniston. Interessante: aqueles olhos parcialmente gregos, escurecidos pela experiência. No que Aniston estava pensando, agora que Pitt a trocou pela co-estrela em um filme de ação, a sereia tatuada Angelina Jolie? A sua dor e a sua expressão são tão humanas. E tão recentes, pensei eu. Acabei comprando a revista.
Nos meses seguintes outros segredos foram traídos pelo seu corpo, que foi interpretado por psiquiatras (que nunca a trataram nem a conhecera, segundo fiquei sabendo): os músculos significam um retorno, as roupas informais sugerem depressão, roupas de festa indicam desespero. Um bronzeado indica uma reação, assim como uma intervenção cirúrgica no nariz ou um corte de cabelo, a menos que estes tenham sido muito drásticos. Olhos sem maquiagem sugerem tristeza.
Perez Hilton é o codinome de Mario Lavandeira, o especialista em fofocas online que administra o PerezHilton.com, e que se orgulha da sua sensibilidade ao interpretar fotografias. "Fiz vários cursos de história da arte e fotografia na escola", disse ele em uma entrevista por telefone. "Quando você presta atenção, vê certas coisas que os outros podem não perceber, de forma que é uma obrigação ficar atento e descobrir algo de especial em uma imagem. Assim, a sua interpretação se destacará ainda mais".
Ele reconhece também que analisar uma fotografia significa também, freqüentemente, retocá-la: "Quando examino uma foto, passo por aquele mesmo processo que ocorre quando leio uma notícia na imprensa. Como é que posso processar esta imagem para torná-la a mais interessante possível para os meus leitores? Olho para ela, recorto-a, modifico o seu tamanho, redesenho-a, fazendo dela uma obra minha".
Perguntei a ele por que hoje em dia gostamos de examinar as nossas celebridades de forma tão minuciosa. Será que simplesmente desejamos que eles sejam mais humanos? "Gostamos de olhar aquilo que não podemos, ou que não deveríamos, olhar", disse ele, citando as fotografias que parecem revelar acidentalmente os centímetros quadrados mais vulneráveis dos corpos das celebridades. São essas fotos que geram o maior tráfego de internautas no PerezHilton. Esqueçam aquela figuras em pose de ampulheta das celebridades antigas. Atualmente os fãs e anti-fãs dão a impressão de simplesmente quererem observar pequenos pontos de luz rósea, parcialmente obscurecidos, que parecem representar glândulas humanas.
Lavandeira se gaba de que o seu site é o que mais assusta Hollywood, e diz quase todos os sites de celebridades querem dar a entender de alguma forma que revelam aspectos ocultos da vida dos famosos.
De forma débil, eu nutri esperanças de que ler as fotos desta maneira pudesse fortalecer alguma habilidade evolucionária, da mesma forma que se diz que a fofoca faz com que o ser humano se torne mais hábil para forjar alianças. Uma possibilidade surgiu no verão passado, quando falei com um advogado que conheci no grupo de discussões 'Lonelygirl15'. Ele e eu estávamos obcecados por descobrir se a mulher do site era uma atriz ou uma garota comum.
"O que você faz com o seu tempo quando não está estudando imagens da Web?", perguntei a ele em uma mensagem eletrônica.
"Geralmente me dedico a coisas como o Rathergate ou às fotos editadas da Reuters", respondeu ele, referindo-se primeiro aos blogueiros que questionaram os documentos citados por Dan Rather a respeito do episódio relativo à passagem do presidente Bush pela Guarda Nacional, e a seguir a uma bem conhecida foto falsificada que foi publicada na imprensa. "Mas isso é fascinante".
E foi aí que me ocorreu o seguinte: existe um prazer inegável em deduzir histórias a partir de fragmentos de dados, seja a história trivial --'Lonelygirl15'-- ou substancial, como o serviço militar do presidente. Não seria a descoberta desse prazer, em certo sentido, o que impulsiona a ciência e todos os tipos de trabalho detetivesco? Estamos todos na Web, ponderando vários tipos de dados que recebemos --listas da eBay, mensagens de blogs, solicitações da Craigslist-- e tentando ler o significado oculto entre alguns pixels, além de conectá-los.
Eu certamente não espero que ninguém vá descobrir uma grande notícia lendo o PerezHilton.com. Mas talvez não estejamos desperdiçando inteiramente o nosso tempo. Estamos praticando a interpretação de imagens com detalhamento minucioso nas revistas e websites de alta-definição.
De qualquer forma, a dança macabra atual executada pelas celebridades e os paparazzi, que parecem estar espreitando em toda parte, deve ser logisticamente enlouquecedora e emocionalmente exaustiva. Cada ida ao supermercado é um trecho de uma peça teatral. Cada dia na praia é um filme de pornografia leve.
E além do mais, os consumidores das peças, filmes, projetos de vídeo e fotografias resultantes --ou seja, nós-- não estão procurando basicamente ser entretidos ou transportados para outro contexto narrativo. Estamos apenas buscando dados, dados e mais dados. E quanto mais crus, melhor.
Algum dia talvez precisemos apenas de zeros e uns para fazer nossos prognósticos. E aí nós de fato não precisaremos das próprias celebridades. Mas por hora uma nova estrela surge em um local estranho. Tornar-se um espécime, uma placa a ser observada no microscópio de um laboratório, um fragmento de dado: certamente não é com isso que as pessoas sonham quando abandonam a escola de segundo grau, fazem aulas de canto e mudam-se para Hollywood. The New York Times

Nenhum comentário: