por Robson Pereira
... Para o juiz, a influência da mídia é bem maior quando há
Tribunal do Júri. "Como um jurado pode ser imparcial e
isento, se ele já chega ao julgamento contaminado com
detalhes que afetam sua capacidade de decidir?", questiona...
Publicado originalmente na Revista Consultor Jurídico (www.consultorjuridico.com.br) em 3 de outubro de 2011 |
A cobertura intensiva de temas com conteúdo jurídico pelos meios
de comunicação, além de informar, pode influenciar a decisão de
um juiz ou até mesmo impedir uma solução justa para as partes? É possível conciliar a garantia constitucional de liberdade de imprensa com direitos fundamentais e também constitucionais envolvidos no processo criminal? Para o juiz federal Artur César de Souza a resposta para essas duas questões complexas, mas corriqueiras, é um inequívoco sim.
Em A Decisão do Juiz e a Influência da Mídia, título do seu mais recente livro, o juiz e professor da Universidade Norte do Paraná analisa de que forma pode ocorrer tal interferência, ao mesmo tempo em que expõe a nem sempre pacífica relação entre a mídia e o dia a dia dos tribunais, tendo como pano de fundo a opinião pública.
O trabalho foi lançado no final do ano passado, mas voltou às livrarias após ter sido incluído na relação dos finalistas na categoria Direito ao Prêmio Jabuti 2011, o mais importante do mercado editorial brasileiro. A decisão sobre o melhor livro do ano será anunciada no próximo dia 18.
Segundo o autor, atualmente lotado na Vara Federal de Execuções Fiscais de Londrina, o livro faz uma reflexão sobre a interferência da mídia nos julgamentos e foi resultado da tese do seu pós-doutorado. Ele explica que o interesse pelo tema nasceu da observação de casos que ocuparam, por várias semanas, grandes espaços na cobertura da mídia nacional. Ainda hoje, a simples menção aos principais personagens envolvidos é suficiente para reviver na opinião pública trágicos detalhes dos respectivos processos.
Entre os exemplos mais recentes, ele cita o casal Alexandre Nardoni e Anna Jatobá, condenados pela morte da menina Isabella; Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos; e o "Caso João Hélio", o menino de seis anos, morto em 2007 durante um assalto no Rio de Janeiro. Preso ao cinto de segurança, o garoto foi arrastado por vários quilômetros pelas ruas da cidade, durante a tentativa de fuga de criminosos que levaram o carro onde estava em companhia da mãe e de uma irmã.
"Por atuar na área, mas também por ser um cidadão comum, comecei a me perguntar se determinados casos que são divulgados reiteradamente pela mídia poderiam ensejar algum comprometimento de um princípio muito importante do Direito, que é a imparcialidade do juiz", relata o juiz. Nas observações que fez concluiu que "a mídia, muitas vezes, faz um julgamento paralelo, e por meio de informações subliminares tenta fazer com que a decisão do juiz esteja de acordo com a decisão desse julgamento".
Para o juiz, a influência da mídia é bem maior quando há Tribunal do Júri. "Como um jurado pode ser imparcial e isento, se ele já chega ao julgamento contaminado com detalhes que afetam sua capacidade de decidir?", questiona. "Se um réu já foi julgado pela mídia, como o jurado vai inocentá-lo e depois voltar a ter uma vida normal na sociedade?." No livro, Souza afirma que essa situação não acontece só no Brasil. Parte das pesquisas realizadas por ele foi feita em Milão, na Itália, e Valência, na Espanha. Na Europa, constatou que o quadro "às vezes é até mais grave" e bem menos subliminar. Conta que presenciou isso em casos que envolviam a imigração de romenos, que na época deixavam o Leste Europeu em grandes levas para a Itália, mergulhada, já naquela ocasião, em uma profunda crise econômica e social. "A cobertura policial estereotipava os criminosos por nacionalidade. Em vez de nominá-los, dizia que eram romenos, o que influenciava a opinião pública para forçar a criação de políticas coibindo a imigração", relata. "Quem comete um crime é uma pessoa e não uma categoria. Isso é discriminação", afirma. O juiz não questiona "a importância da total e irrestrita liberdade de expressão no Estado democrático", mas ressalta que a mesma Constituição que garante o direito à liberdade de expressão também garante o direito ao sigilo de fatos e provas num determinado processo. Ele considera possível a convivência entre os princípios constitucionais e a publicidade do processo, sem prejuízo às partes, mas entende que as provas divulgadas pela mídia e que possam gerar dano para uma solução justa deveriam ser excluídas do processo. "A liberdade de expressão não pode estar acima do direito de um julgamento isento", afirma o juiz.*Robson Pereira - é jornalista.
Nenhum comentário:
Postar um comentário