quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Marketing Social, uma ferramenta a serviço da mudança que o país reclama

Nota de Claudia Hespanha
Conheci Ricardo lendo seus artigos e confesso, virei fã. Seleciono este e estou em busca de mais alguns para publicar no blog.


Ricardo Voltolini*
Nesses bem-vindos tempos de valorização da responsabilidade social, de investimento social corporativo em alta e de crescente interesse pelo Terceiro Setor é pouco provável que alguém já não tenha ouvido no Brasil a expressão marketing social. É do mesmo modo improvável que ao ouvi-la, alguém tenha compreendido o seu real significado. Ou que, mesmo compreendendo vagamente a que o termo se refere, este alguém não tenha criado uma forte rejeição, alimentado pelo compreensível sentimento de que as duas palavras - Marketing e Social - parecem díspares demais, feitas para se digladiar entre si, contraditórias quando associadas numa mesma expressão. Diante do termo, duas são as reações mais comuns: ou as pessoas não entendem e não gostam, ou as pessoas entendem e também não gostam.
Desinformação e preconceito – todos sabemos – andam normalmente lado a lado. O caso do Marketing Social apenas confirma essa regra. E não será necessário muito esforço intelectual para perceber que o “problema” está na primeira palavra, a que representa o vício, e não na segunda, o campo das virtudes. Vítima de uma tradição – que em muitos momentos lhe faz justiça - de manipulação de mentes, indução de hábitos de consumo e criação de necessidades, o Marketing é visto no Brasil como uma espécie de ciência da superfície, supremacia da aparência sobre a essência, a encarnação de tudo o que é mais dissimulado, ardiloso e conspiratório.
Sob o trauma de experiências ruins, certamente relacionadas à compra de produtos, idéias, terrenos na praia e presidentes enganosos, os brasileiros em geral construíram uma percepção excessivamente ideologizada de que Marketing – na verdade, a propaganda, “pedaço” pelo qual tornou-se mais conhecido - é um jogo escuso a serviço exclusivo do lucro, em que poucos ganham e muitos perdem. Não cabe aqui fazer nenhuma defesa do Marketing, até porque ele já é bem grandinho e sabe cuidar de si mesmo. Percepção é percepção. Mas, nesses tempos de superação de diferenças, de convergências e de quebras de paradigmas, em que mesmo as empresas admitem ter o que aprender com organizações sociais, até mesmo as percepções mais renitentes precisam sofrer revisões periódicas.
Por obra da mágica de simplificar o complexo, o “conceito” de Marketing Social “nasceu” no Brasil juntando-se duas palavras aparentemente antagônicas. Foi justamente este caráter, digamos “fortuito”, que o transformou numa expressão vaga e, portanto, aberta as mais diferentes “versões.” É comum ouvir-se referências a Marketing Social como “o marketing praticado por organizações da sociedade civil para vender as suas causas”, ou “como o marketing praticado por uma empresa ética e preocupada com a sociedade”, ou ainda como o “marketing que uma empresa faz para associar sua marca a uma causa social”. Não teria nenhum problema chamá-los todos de marketing social, não tivessem eles já outros nomes e não representassem conceitos distintos entre si.
É desejável que o marketing seja uma ferramenta de gestão para uma organização da sociedade civil planejar a sua relação de troca com seus diferentes públicos de interesse, visando melhorar as suas condições de sustentabilidade. É absolutamente louvável também que as empresas adotem práticas de marketing mais éticas, não apenas preocupadas com o lucro rápido, mas com a qualidade de vida da sociedade. E é até recomendável que uma empresa utilize estratégias de marketing, especialmente as de comunicação, para construir um posicionamento de marca, associando sua imagem a uma causa social. Mas essas diferentes práticas – bastante comuns em outros países – já foram estudadas, classificadas e conceitualmente definidas respectivamente como Marketing (puro e simples), Marketing Societal e Marketing Relacionado a Causas Sociais.
Uma breve análise de cenários indica as razões pelas quais essas três práticas de marketing estão crescendo no Brasil. Pressionadas mais recentemente pela necessidade de obter financiamento para suas atividades, em um contexto de forte concorrência por recursos, as organizações de Terceiro Setor começam a profissionalizar sua gestão, interessadas em serem mais eficientes (gerir melhor os recursos que captam) e mais eficazes (cumprirem melhor a sua missão). O marketing pode ser, sem dúvida, uma ferramenta útil, pois consiste em um processo gerencial que envolve análise de cenários, identificação de públicos, pesquisa de necessidades e expectativas, formatação de serviços, construção de imagem e oferta de valor e estratégias de comunicação. Há quem prefira, certamente por receio do termo, dar a este conjunto de atividades o nome de desenvolvimento institucional ou simplesmente comunicação. Isso importa muito pouco. O fato é que esses conceitos pertencem ao campo de conhecimento do Marketing. Importante reforçar aqui que se trata de Marketing, e não de Marketing Social como prega um certo senso comum (mal) fundamentado na fácil idéia de juntar o meio (Marketing) com o fim (social).
Estimuladas pela valorização do conceito de responsabilidade social como nova mentalidade de negócio, e também por uma mudança no comportamento do consumidor que passa a exigir que as corporações façam mais pela sociedade do que pagar impostos e gerar empregos, cada vez mais empresas arriscam mudar suas práticas de marketing, conferindo-lhe novos contornos e um sentido mais ético. Nesse campo, o bom senso recomenda sempre evitar comemorações efusivas. Mas é inegável que há hoje mais empresas preocupadas, por exemplo, em não fazer propaganda enganosa, em respeitar integralmente o cliente ou em restituir ao meio ambiente os recursos que dele se utiliza, praticando algo que Philip Kotler definiu como Marketing Societal, um marketing não confinado à miopia do lucro a qualquer custo, mais humanizado, mais compromissado com o indivíduo e a sociedade.
Seja para valorizar o seu capital de imagem, seja para estabelecer diferenciais de marca, para atrair e reter os melhores talentos ou ainda pela consciência de que é impossível ser próspera em uma sociedade decadente, mais empresas têm adotado o caminho de associar suas marcas a causas sociais. Embora haja importantes correntes de pensamento que discordem da idéia, este tipo de investimento começa a ser tratado como estratégico para a construção da marca. E não há nada de errado nisso, se considerar que uma campanha efetivamente associada à mudança social, por mais restrita que seja, representa um bom exemplo de relação ganha-ganha.
Duas são as críticas feitas a este movimento. A primeira é que as empresas, olhando apenas para causas com maior apelo público e mais afinadas com a sua “vocação” de investimento social, deixariam de investir seus recursos em causas “difíceis”, como os jovens infratores ou crianças com AIDS. Soa um tanto ingênua a idéia de que as empresas deveriam investir em todas as causas sociais. A segunda diz respeito a uma cisma – definitivamente ainda não comprovada por fatos - de que as empresas investiriam mais recursos na propaganda da associação com a causa do que na própria causa, diminuindo, por deslize de motivação, a legitimidade do investimento.
Estrategistas de brand admitem que, além das dimensões racional e emocional, as marcas também se edificam em uma dimensão ética ou espiritual: os clientes do futuro vão querer fazer negócios com empresas mais humanas, que agem como eles agem e acreditam no que eles acreditam. E é nesse contexto que ganha força o Marketing Relacionado a Causas Sociais, aqui bastante conhecido como Marketing Social e, às vezes, equivocadamente, confundido com Responsabilidade Social. O Marketing Relacionado a Causas Sociais nada mais é do que uma ferramenta de marketing cuja lógica é associar o investimento social na comunidade com a marca de uma empresa. Não é nem de longe, portanto, sinônimo de Responsabilidade Social, muito menos um de seus objetivos, embora, utilizado com rigor e sentido ético, não traia nem deponha contra a imagem de uma empresa socialmente responsável. As experiências mostram que o desenvolvimento de estratégias de Marketing de Causas Sociais costuma ser mais bem-sucedido em empresas com programas de responsabilidade social, mais sensíveis para o relacionamento com a comunidade, acostumadas a fazer parcerias com organizações da sociedade civil e mais fortemente vocacionadas para o investimento social - embora este seja apenas um dos sete vetores do conceito de Responsabilidade Social.
Mas se nenhum dos conceitos anteriores é Marketing Social, qual seria a sua definição? Marketing Social pode ser definido como o uso das ferramentas de Marketing para gerar mudanças importantes de comportamento de indivíduos em relação a problemas como saúde pública, educação, habitação e qualidade de vida, contribuindo para o bem estar do indivíduo e da sociedade.
Nos Estados Unidos, este conceito tem mais de 30 anos de história. Na década de 60, o médico Richard Manoff foi pioneiro na utilização da comunicação para fins preventivos em saúde pública, convencido de que a mesma propaganda que vendia cigarros também poderia vender a idéia de que fumar encurta a vida.
Alguns anos mais tarde, Philip Kotler e Eduardo Roberto aperfeiçoaram a tese. Para eles, a comunicação tem sempre limites na mudança de hábitos arraigados como o de fumar, mas o Marketing, tratado em sua maior amplitude conceitual, poderia ser mais útil. Utilizando os quatro velhos P’s do Composto de Marketing (produto, preço, ponto de distribuição e promoção), a dupla mostrou que haveria maiores chances de gerar a diminuição do hábito de fumar reduzindo a nicotina do produto, aumentando o preço via impostos, estabelecendo restrições de venda em pontos de distribuição e promovendo, por meio de campanhas de propaganda, a associação do cigarro à doença e à morte mais precoce.
Também a tese de Kotler-Roberto parece apresentar limitações, na medida em que o Marketing Social perde força – acredita-se – quando aplicado exclusivamente em campanhas isoladas de adoção de comportamentos. Para alguns ideólogos, o conceito estaria hoje entrando em sua terceira geração. O novo Marketing Social não deve apenas resgatar velhas dívidas sociais do País, mas fortalecer o capital social e o bem público, reduzindo a ênfase nos problemas, atacando as causas e não os efeitos e buscando soluções mais efetivas. Para tanto, precisa estar integrado às políticas públicas e fortemente vinculado a um movimento de transformação social mais amplo.
Entre as várias diferenças observadas nos quatro conceitos de Marketing Social aqui apresentados, uma em especial merece destaque. Enquanto o Marketing em si pode ser usado por organizações de Terceiro Setor e o marketing societal e o marketing de causas sociais pelas empresas privadas, o marketing social está a serviço de qualquer organização interessada em melhorar a vida dos indivíduos, incluindo obviamente os governos. Seu ferramental de análise de ambientes, gerenciamento de pesquisa, identificação de necessidades e expectativas, definição de estratégias de comunicação e de mensuração de resultados consiste em uma importante tecnologia a serviço da mudança social. É inegável que organizações sociais mais profissionais, empresas mais éticas e mais preocupadas com suas comunidades, e governos com melhor capacidade de planejamento social serão fundamentais no esforço da grande mudança que exige o País. As mesmas ferramentas que nos levaram a ocupar o posto de décima maior economia industrial do mundo, utilizadas com base em uma lógica diferente, podem certamente nos tirar da desconfortável posição de número 73 no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano.

Fonte: http://integracao.fgvsp.br/ano6/08/opiniao.htm

* Ricardo Voltolini é jornalista, especialista em comunicação empresarial, consultor de empresas em Marketing e Comunicação e diretor da OFICIO PLUS Comunicação e Marketing, empresa especializada no planejamento de ações de Marketing Institucional, Marketing Social e Responsabilidade Social Corporativa. Na condição de consultor, foi o responsável pela estruturação da área de Terceiro Setor e da política de responsabilidade social no SENAC. É também professor de Marketing Ambiental (Faculdades SENAC), de Responsabilidade Social Corporativa (FAAP) e de Marketing Social e Responsabilidade Social (FEA-USP).
Visite: http://www.ideiasustentavel.com.br

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