quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Artigo científico faz propaganda de droga

Firma usava especialistas como "laranjas", assinando estudos que não fizeram, para mostrar eficácia de remédio

Empresa farmacêutica sofre ação judicial nos EUA; indústria diz que não houve má conduta na adoção da prática

GIULIANA MIRANDA
DE SÃO PAULO
SABINE RIGHETTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A indústria farmacêutica está novamente no centro de um escândalo. Documentos confidenciais da gigante Wyeth -hoje incorporada à Pfizer- mostram que a companhia sistematicamente plantava artigos favoráveis a seus medicamentos em periódicos científicos.
O caso mais emblemático é o do remédio Prempro, usado para reposição hormonal em mulheres na menopausa. Nos EUA, o produto gerou uma ação pública, movida por 14 mil pessoas, que acusam a droga de aumentar o risco de câncer de mama.
Para garantir opiniões positivas sobre a substância, a Wyeth pagava para empresas especializadas produzirem textos que ressaltassem suas qualidades -algumas não comprovadas- e escondessem efeitos colaterais, como casos de câncer.
O material pronto era oferecido a pesquisadores "de verdade", que assinavam como autores do trabalho.
Essas "pesquisas" eram submetidas a diversos periódicos científicos, que publicavam o material como se fosse independente. Alguns acabaram em veículos renomados, como a "Archives of Internal Medicine".
A mecânica completa do esquema é apresentada pela médica americana Adriane Fugh-Bergman, da Universidade Georgetown, na revista "PLoS Medicine".
Fugh-Bergman se debruçou sobre 1.500 documentos confidencias da Wyeth -liberados sob ordem judicial para a revista.
A papelada contém rascunhos de artigos, troca de e-mails e até a contabilidade do esquema.
Em um dos e-mails, uma funcionária da DesignWrite -principal empresa contratada pela Wyeth- descreve o trabalho a um pesquisador.
"A beleza deste processo é que nós nos tornamos o seu pós-doutorando! Nós fornecemos um rascunho geral, ao qual você sugere mudanças e revisa. Nós então desenvolvemos um rascunho com os contornos gerais. Você tem todo o controle editorial sobre o trabalho, mas nós lhe forneceremos materiais para crítica e revisão."
Segundo Fugh-Bergman, a realidade era bem diferente: eles só podiam fazer mudanças simples e que não descaracterizassem as mensagens de marketing pretendidas pela farmacêutica.

IMORAL, E DAÍ?
Usar "escritores fantasmas" não é ilegal, embora seja considerado antiético.
As empresas aproveitam uma brecha na regulamentação nos EUA. A FDA (agência responsável pela liberação de remédios) não considera artigos científicos como marketing. Ou seja: o que acontece nesse espaço não faz parte da sua área de atuação.
De acordo com o artigo, não existem evidências de que os autores foram pagos para assinar os trabalhos.

Pfizer contesta credibilidade das críticas do artigo
DE SÃO PAULO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A Pfizer, que comprou a Wyeth em janeiro de 2009, desqualificou as críticas de Adriane Fugh-Berman.
"O artigo ignora completamente -e convenientemente- o fato de que os manuscritos publicados estão sujeitos a uma rigorosa revisão por pares feita por especialistas externos (...) e que a sua integridade e rigor científico já foram reconhecidos em vários julgamentos", disse a empresa em nota.
A Pfizer afirmou que tem uma rígida "política de transparência" científica.
De acordo com a empresa, as pesquisas em que a companhia está envolvida sempre mencionam todas as contribuições e coautorias presentes no processo.
A farmacêutica afirmou que empresas especializadas em escrever textos médicos "apenas auxiliam os autores a fazerem os rascunhos" e os cientistas têm "total controle sobre os trabalhos". (GM e SR)

Fonte: Folha de São Paulo

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