terça-feira, 26 de maio de 2009

Fusão Sadia-Perdigão pode eliminar produtos

Por Guilherme Neto, do Mundo do Marketing
guilherme@mundodomarketing.com.br


A Sadia e a Perdigão já anunciaram que entraram em processo de fusão para formar a Brasil Foods. A nova empresa promete se tornar a terceira maior exportadora do país, além da maior produtora e exportadora mundial de carne de frango. Apesar da promessa de ambas as empresas de que as marcas irão se manter no mercado, a novidade traz dúvidas não apenas a consumidores, mas também investidores, agências de Marketing, fornecedores e diversos outros stakeholders das marcas.

Entre as principais previsões de alguns especialistas, está a extinção de uma das marcas daqui a alguns anos, ou ainda a eliminação de alguns produtos e até o reposicionamento das marcas Sadia e Perdigão. Alguns temem ainda uma concentração de produtos sob a Brasil Foods, o que dificultaria a concorrência e poderia elevar o preço dos produtos. No entanto, há quem enxergue nesse momento uma oportunidade para outras marcas.

Por enquanto, ambas as marcas continuam operando separadamente como sempre foi, uma medida cautelosa para impedir que uma possível rejeita da fusão pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE – órgão federal que regula a concorrência de mercado no Brasil) resulte em problemas para as marcas voltarem atrás. A fusão resultará, segundo a nova companhia, em uma economia de R$ 4 bilhões, o que possibilitaria uma redução de preços ao consumidor.

Fusão deve eliminar produtos
A única mudança é na formação do conselho de administração das duas companhias, que terão co-presidentes nas duas empresas. Eles são os atuais presidentes da Sadia (Luiz Fernando Furlan) e Perdigão (Nildemar Secches). Além disso, cada conselho receberá a entrada de três executivos da ex-concorrente. Procurada para adiantar possíveis movimentações e comentar a previsão de analistas, a Sadia e a Perdigão não responderam às tentativas de entrevistas, alegando entrarem em período de silêncio sobre a formação da Brasil Foods.

Uma das principais e prováveis mudanças estaria na eliminação de produtos, que aconteceria nos segmentos onde a Sadia e Perdigão já atuam. Manteria-se o produto da marca mais forte ou que se adequasse a um possível novo posicionamento. A medida, além de fortalecer a marca que permanecesse no segmento, reduziria custos.

“Não faria sentido manter duas linhas de produtos idênticas, só faria aumentar os custos de Marketing. É possível que haja uma racionalização das marcas. Mas não deve haver nenhuma mudança enquanto essa situação estiver sendo analisada pelo CADE”, comenta o advogado Sérgio Varella, autor do livro “Poder Econômico e a Conceituação do Abuso em Seu Exercício”.

Consumidores insatisfeitos com fusão podem ser atraídos para outras marcas
Na opinião de José Roberto Martins, coordenador do MBA empresarial em Branding da FAAP e fundador da GlobalBrands, é improvável que a Brasil Foods dilua o investimento de Marketing e Comunicação para posicionar duas marcas em uma mesma categoria. Há riscos, claro. O consumidor pode não aceitar a eliminação de um determinado produto e diminuir sua afeição pela marca. É por esse motivo que seria preciso a Brasil Foods convencer o consumidor a trocar de marca, promovendo benefícios tangíveis e intangíveis.

É nesse espaço que as concorrentes podem aproveitar para aumentar sua presença de mercado, atraindo clientes que viram seu produto predileto sair das gôndolas ou subir de preço. Foi o que aconteceu com a Schincariol, que atraiu consumidores insatisfeitos com o posicionamento “premium” das cervejas Antarctica, Brahma e Skol, através da cerveja “Nova Schin”, de menor preço. “Ao contrário da Kaiser, que acabou perdendo participação de mercado. Do mesmo jeito que uma fusão abre uma situação ruim, ela também pode gerar oportunidades”, explica Varella.

Quem está passando por esse dilema agora é o Santander com a compra do Real, que visa eliminar a marca para fortalecer a presença global da marca-mãe. “O Real tem uma marca muito bem posicionada, e o Santander ainda está criando a sua identidade no Brasil. Eles estão querendo mostrar ao cliente do Real que a marca Santander não eliminará benefícios, e sim adicionará. Isso é percebido ao colocarem o presidente do Banco Real para presidir o Grupo Santander Brasil”, explica em entrevista ao Mundo do Marketing.

CADE deve analisar também o branding das marcas
Quanto a uma possível exigência do CADE de vender uma das diversas marcas que farão parte da Brasil Foods, o fundador da GlobalBrands faz uma ressalva: não adiantaria apenas impor a eliminação de uma marca, mas também do branding dela. Em 1997, quando a Colgate-Palmolive adquiriu a Kolynos, o órgão federal exigiu a eliminação da marca comprada. Isso aconteceu, mas todo o posicionamento e infra-estrutura de Marketing foi repassado para uma nova linha de produtos, a Sorriso. “Essa foi a sacada que o CADE não percebeu”, completa o executivo.

Para evitar a repetição desse erro, na opinião de Sérgio Varella, o CADE provavelmente se atentará ao sistema de distribuição e se indicar problemas competitivos, exigirá que as empresas se desfaçam também de partes dos negócios, como fábricas, que influenciem na estrutura dos produtos de uma determinada marca a ser eliminada. “Dificilmente será adotada uma posição semelhante ao caso da Kolynos, onde o CADE fracassou ao tentar promover a competição”, conta Varella.

Outro caso bastante lembrado é o da compra da Garoto pela Nestlé, cuja proposta foi rejeitada pelo órgão federal. Na ocasião, há cinco anos, a multinacional de origem holandesa acionou a justiça pedindo a anulação da decisão, alegando não poder mais voltar atrás. O Ministério da Justiça ordenou no início do ano que o CADE reavaliasse o caso.

Projeto de lei quer evitar fusões antes da aprovação do CADE
O motivo da não aprovação do caso Nestlé-Garoto, na opinião de Martins, da GlobalBrands, foi um possível esforço da multinacional para diminuir o brand equity da Garoto. Segundo ele, a Nestlé tomou medidas que sinalizou às autoridades de que ela queria diminuir a presença da Garoto para dar um upgrade na marca Nestlé, causando um desequilíbrio no mercado. “Isso foi muito comentado na época. A Garoto sumiu da mídia, das gôndolas, parou de fazer lançamentos. Vale lembrar que a marca cresceu investindo à base de inovação, como a invenção da caixa de bombons”, explica o especialista em branding.

O Projeto de Lei 3045/04, proposto pelo deputado Fernando Gabeira, visa a evitar situações sem volta como essa, proibindo a junção de empresas antes do processo ser analisado pelo CADE, como já acontece nos Estados Unidos e em muitos países europeus. O projeto, que tramita no Congresso desde 2004, também aumenta para quatro anos o mandato do Presidente e dos Conselheiros do órgão federal.

A marca não é o único valor intangível que sofre influências com a fusão. Há ainda o capital humano, contrato com representantes e distribuidores, licenças e processos ambientais, softwares, entre outros. Outros fatores influenciam na decisão do CADE, além da concentração de mercado, como a possibilidade de importação de produtos semelhantes, a possibilidade da entrada de empresas nacionais e estrangeiras no setor, propriedades intelectuais e até a fidelidade do consumidor às marcas. “É complexa a análise. Do lado de fora, fica difícil entender. De dentro, é um processo demorado. Quando você tenta unir tudo isso dentro de uma marca que ainda não tem identidade, é muito complexo tentar antecipar o que vai acontecer”, ressalta Martins.



Mundo do Marketing: Publicado em 26/05/2009

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