Com a prisão de diretores, acusações de fraudes e desrespeito à lei, a Camargo Corrêa e a Daslu enfrentam um problema que tem potencial para destruir empresas: a crise de reputação.
Por Daniella Camargos e Melina Costa 02.04.2009 15h34
Revista EXAME -
Nas últimas semanas, duas companhias brasileiras viram-se envolvidas em escândalos que expuseram sua gestão ao escrutínio público. A primeira foi o grupo Camargo Corrêa, um dos maiores conglomerados do país, com 16 bilhões de reais em faturamento. Quatro de seus executivos e duas secretárias foram presos no dia 25 de março por policiais federais diante da acusação de remessa ilegal de dinheiro ao exterior e da suspeita de doações ilegais a partidos políticos. No dia seguinte, em uma nova operação, a polícia prendeu Eliana Tranchesi, dona da butique de artigos de luxo Daslu. Essa foi a segunda prisão da empresária, agora condenada a 94 anos por importação fraudulenta dos produtos de grife vendidos por sua empresa, formação de quadrilha e falsidade ideológica. Em ambos os casos, todos os envolvidos já foram libertados por meio de habeas corpus. Eliana ainda pode recorrer da decisão judicial - o que talvez diminua consideravelmente sua pena. Já os diretores da Camargo Corrêa seguem sob investigação. É impossível dizer, hoje, qual será o desenrolar dos processos. Do ponto de vista da imagem das duas companhias, porém, um estrago considerável já foi feito. "Mesmo que as empresas envolvidas em situações como essas acabem sendo declaradas inocentes, não importa: a exposição negativa já foi suficiente para arranhar sua reputação", diz Larry Smith, presidente da consultoria americana Institute for Crisis Management.
Ter a imagem envolvida em acusações de corrupção e sonegação é um duríssimo golpe num dos ativos mais valiosos de uma empresa: a credibilidade. Quando comercializam produtos e serviços, na verdade as companhias estão vendendo, indiretamente, confiança. Nesse sentido, empresas raramente saem ilesas de um abalo à reputação. Uma vez ocorrida uma crise dessas, os negócios sofrem dois tipos de prejuízo. O primeiro, e mais facilmente mensurável, diz respeito à administração imediata do problema. São gastos com advogados, publicação de informes de esclarecimento público e desenvolvimento de estratégias de gestão de crise que, somados, não saem por menos de 2 milhões de reais. No entanto, nada se compara ao segundo tipo, relacionado aos danos de imagem, como fuga de talentos, desconfiança em relação à marca e perda de contratos e clientes. Apesar de intangível, há estimativas que ajudam a dimensioná-lo. A queda de um avião, por exemplo, custa cerca de 1 bilhão de dólares a uma companhia aérea. No caso de uma crise provocada por acusações de crimes do colarinho branco, como a que atingiu a Camargo Corrêa e a Daslu, esse custo é de, no mínimo, 10% do faturamento anual. "O problema é que, nesses casos, a empresa é vista imediatamente como culpada", diz Mário Rosa, consultor especializado em imagem e autor de dois livros sobre o assunto.
Zelar pela reputação e pela imagem pública tornou-se uma questão de sobrevivência para as empresas. A demanda dos consumidores por produtos éticos e uma maior fiscalização de organismos reguladores têm forçado a uma exposição maior das corporações e, consequentemente, sua vulnerabilidade aumentou. Uma pesquisa conduzida recentemente com 269 executivos pela Economist Intelligence Unit, unidade de consultoria da revista inglesa The Economist, indicou que, entre 13 categorias de risco, crises de reputação e imagem representam a maior ameaça enfrentada pelas empresas. Esses fatores preocupam mais do que os riscos de mudanças regulatórias, perda de talentos e segurança nas áreas de tecnologia da informação, mercado e crédito. Paradoxalmente, as companhias têm se esforçado muito pouco para evitar esse tipo de crise e manter uma boa imagem perante clientes e fornecedores. Estudos recentes mostram que, na imensa maioria dos casos, são elas próprias as culpadas pelas crises em que se envolvem. Segundo um levantamento realizado ao longo de dez anos pelo Institute for Crisis Management, mais de 80% dos problemas de imagem são causados exatamente pelos funcionários - e os executivos são os principais responsáveis em 52% dos casos.
Seja qual for a origem da crise, seus efeitos produzem impactos diferentes conforme as características da companhia atingida e do setor no qual ela atua. De acordo com especialistas de gestão em imagem, empresas que lidam diretamente com o público consumidor costumam ser mais afetadas pelas crises corporativas do que as que têm como clientes outras empresas ou o setor público. Companhias que têm ações listadas em bolsa também tendem a sofrer mais quando apresentam problemas de reputação. "Essas empresas sofrem cobrança de sócios minoritários e dos analistas de mercado para resolver rapidamente o problema", diz Tom Camargo, diretor da FSB Comunicações, especializado em gestão de crises. Um exemplo de como uma crise de imagem afeta de forma diferente empresas de capital aberto e as de capital fechado ocorreu dentro do próprio grupo Camargo Corrêa dias após a prisão dos executivos. Enquanto a construtora envolvida diretamente na crise e a holding do grupo, de capital fechado, não designaram sequer um executivo como porta-voz no episódio (sendo representadas apenas por seus advogados), a Camargo Corrêa Desenvolvimento Imobiliário (CCDI), braço voltado para a incorporação imobiliária e de capital aberto, manteve o executivo responsável pela área de relações com investidores, Fernando Bergamim, em contato direto com o mercado por meio de um blog no site da empresa. No blog, Bergamim procurava deixar claro que as empresas eram independentes e que a CCDI não tinha nenhuma irregularidade. O esforço, no entanto, não impediu que as ações da CCDI caíssem 5% até dois dias após o escândalo ser divulgado.
É consenso entre os especialistas em gestão de crises que, quanto mais ágil e transparente for a empresa, menores serão os danos causados pela crise de imagem. Um estudo realizado na Universidade de Oxford analisou o desempenho das ações de 15 empresas que sofreram problemas de imagem e concluiu que as que apresentaram maior habilidade em reagir à crise tiveram aumento de 5% no valor de suas ações em um período de 50 dias depois da catástrofe. Já as empresas menos eficientes nesse quesito apresentaram perdas, em média, de quase 10%. Em alguns casos, o reflexo do bom gerenciamento da crise pode ser percebido imediatamente no desempenho do negócio. Foi o que ocorreu com o grupo de comunicação Martha Stewart Living Omnimedia, fundado pela americana Martha Stewart. A empresária foi acusada de mentir para autoridades em um caso de uso de informação privilegiada para venda de ações. O escândalo acabou por condená-la a cinco meses de prisão, em 2004. A empresária, em vez de recorrer, reconheceu a culpa, afastou-se da empresa e apresentou-se para cumprir a pena. No período em que a empresária esteve na cadeia, as ações de sua empresa mais que triplicaram de valor, passando de 10 para 35 dólares. Ao sair da prisão, em março de 2005, Martha voltou a ser a face pública do grupo. Tanto no caso da Camargo Corrêa como no da Daslu, ainda é cedo para saber se as estratégias de gerenciamento da crise utilizadas pelas empresas serão bem-sucedidas. Mas uma coisa é certa: o caminho, em ambos os casos, será difícil e acidentado.
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