sábado, 8 de novembro de 2008

Como se adaptar à reforma ortográfica?

Grandes editoras como Companhia das Letras e Record se preparam para ajustar seus lançamentos às regras do novo acordo ortográfico. Escritores como o veterano Sergio Sant'Anna também não passam incólumes e são obrigados a adaptar seus escritos a um mundo sem tremas.
Por Sheyla Miranda
Já reparei outro diaQue o teu nome, ó YvoneNa nova ortografiaJá perdeu o piciloneComposto em 1931 por Noel Rosa, em homenagem à irmã de um amigo seu, o samba Picilone faz referência ao acordo ortográfico de 1931, assinado pela Academia Brasileira de Letras e pela Academia de Ciências de Lisboa. O Poeta da Vila, atento que era às mudanças de seu tempo, registrou a saída das letras K, W, Y do alfabeto brasileiro. A partir de janeiro de 2009, por conta do novo acordo ortográfico entre a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, essas letras serão reintegradas ao abecedário do Brasil, dentre uma série de mudanças na ortografia que deverá ser respeitada por todos os países lusófonos. Em vez de escrever "idéia", você grafará "ideia". No lugar de "vôo", "voo"; de "pára-quedas", "paraquedas", além de excluir tremas, hífens e outros acentos do vocabulário.
Depois de incontáveis polêmicas acerca da necessidade e até da validade da reforma, o mercado editorial e os escritores começam a se preparar para lidar com as novas regras. A Companhia das Letras e a Record, duas das mais importantes editoras do país, já se programam para lançar, no início de 2009, a maioria de seus livros ajustados à nova ortografia.
Embora o volume de trabalho tenha aumentado muito, novos revisores e preparadores de texto ainda não foram contratados. "Ainda não chamamos mais profissionais. O que estamos fazendo é investir pesado na preparação dos nossos funcionários e colaboradores, com cursos e palestras", declara Sergio Windholz, diretor financeiro da Companhia das Letras.
Na Record, o processo de preparação segue no mesmo ritmo. Segundo Sérgio França, coordenador editorial da empresa, os funcionários da casa estão treinados e não se descarta a contratação de mais mão-de-obra. "Acho que precisaremos de mais profissionais, sim. A Record publica cerca de 600 reedições por ano e, para cada uma, serão pelo menos duas revisões. É um grande aumento nas atividades", diz França. A trabalheira se deve à necessidade de revisar todos os livros por inteiro, tanto os que serão reeditados quanto os que estão na lista de lançamentos. Apesar de as alterações somarem cerca de 1,5% do total do texto aqui no Brasil - em Portugal, esse índice sobe para 3%, já que consoantes mudas deverão ser eliminadas de palavras como "facto" - é preciso examinar cuidadosamente todo o material. Windholz cita um exemplo: "Em duas edições de livros que entregamos recentemente ao governo, já com a ortografia corrigida, foi feita pelo menos uma alteração em mais de 90% das páginas".
Por conta desse processo trabalhoso e oneroso, livros lançados há pouco, ainda com a ortografia corrente, deverão permanecer nas livrarias até serem comprados. Ou ao menos até 2012, data em que acaba o período de transição entre as ortografias e passa a ser obrigatório seguir as novas regras à risca.É o caso do novo romance do escritor Daniel Galera, Cordilheira, recém-lançado pela Companhia das Letras como parte do projeto Amores Expressos. "Se os exemplares desta obra esgotarem em quatro meses, é provável que façamos uma segunda edição sem as alterações, já que acabamos de lançá-la", prevê o diretor financeiro da Companhia das Letras. "Não vai ser possível reimprimir todos os livros na nova ortografia já em 2009. Temos até 2012 para fazer isso. Melhor corrigi-los aos poucos, principalmente por conta dos custos", comenta Windholz.
E esse custo de revisões e reedições seria repassado aos consumidores? Sérgio França, da Record, diz que não. "O mercado dos livros exige muito cuidado. Não pretendemos aumentar o preço dos exemplares por causa da reforma, até porque o valor a ser acrescentado por unidade seria muito pequeno".
Quanto aos escritores, cada um adota uma postura muito pessoal. Não há uma tendência que se sobreponha e, no geral, eles não parecem estar tão preocupados com as mudanças na língua. Antonio Prata, jovem escritor e cronista, titubeou ao ser questionado sobre a reforma. "Para falar a verdade, não tinha pensando sobre esse assunto ainda. Não sou a favor nem contra", diz. "Vou terminar meu livro, que vai ser lançado no ano que vem [também pelo projeto Amores Expressos] com a grafia a que estou acostumado. Já me confundo com essa ortografia! E acho que quem vai cuidar da adequação à reforma vai ser um revisor".
Já Sergio Sant'Anna, escritor que publicou seu primeiro livro em 1969, vai corrigir ele mesmo o romance que está preparando neste momento. Da mesma forma que alterou a grafia de Notas de Manfredo Rangel, Repórter, livro lançado em 1973, dois anos depois da última reforma ortográfica, ocorrida em 1971. "Essa vai ser uma preocupação para a fase de finalização do livro, depois que eu terminar de contar toda a história", diz Sant'Anna.
Para uma última revisão, o escritor poderá munir-se das versões atualizadas dos dicionários Aurélio e Houaiss e sair à caça de tremas, acentos e hífens que já serão obsoletos.

fonte: http://bravonline.abril.uol.com.br

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