sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Espetáculo da indiferença

Fonte Blog Uol
18/07/2007
Espetáculo da indiferença
Indiferença. Com quem está no ar e em terra. Esse era, em geral, o clima entre os curiosos que se aglomeravam no local do acidente com o vôo 3504 da TAM, o Airbus A-320 que ironicamente se chocou contra um prédio da própria companhia, durante a noite da terça-feira, 17 de julho de 2007, e a madrugada da quarta-feira.

E foi assim desde que cheguei com mais um repórter e um cinegrafista do UOL ao local do acidente. Em vez de pararmos na avenida Washington Luís, o taxista nos deixou na rua Otávio Tarquínio de Souza, exatamente atrás do edifício da TAM Express, atingido pelo Airbus. Dali, era possível ver o prédio sendo engolido pelas chamas e a polícia e os bombeiros tentando isolar a área próxima.

As pessoas no local, em sua maioria, eram curiosos com o acidente. Dava para ver. Algumas senhoras que encontraram coisa melhor para ver na rua do que a TV de casa foram ao local, reclamar e até falar que "vivem com medo". Uma turma dizia "eu sabia que isso ia acontecer". Outros se vangloriavam de terem sido "testemunhas oculares". Mas nem os três estrondos que vieram do prédio, cuja laje ruía e alertava que todo o resto poderia ir abaixo a qualquer instante, incutiram algum sinal de "medo" na turba.

Lágrimas entre o público ali presente, existiram, mas mais pelas incertezas e falta de informações. Um rapaz, apreensivo com seu cachorro, trancado na casa ameaçada pelas chamas, chorou, só para se acalmar minutos depois, assim que se reencontrou com o animal de estimação. Duas jovens de 20 e poucos anos também choraram por não poderem voltar casa, mas logo se conformaram com as afáveis explicações da Polícia Militar de que não poderiam chegar ao local.

A "sessão" continuou ao longo da noite. Já do lado da Washington Luís, curiosos se aglomeraram nas proximidades do acidente aos montes, assim que souberam da tragédia - e muitos que não tinham o que fazer deram uma passadinha lá só para atrapalhar o trabalho dos bombeiros, policiais e repórteres. Quando perguntei a um deles o que estava fazendo ali, a resposta foi: "Só curiosidade, mesmo. Vi um monte de gente parando..." Não foi o único. A maioria deixou o local lá pelas 2h30, mas outros não arredaram o pé até de manhã, assistindo in loco à cena do fogo consumindo o resto do avião e do prédio...

No aeroporto, propriamente, havia um certo tom de normalidade aparente. Os parentes dos passageiros estavam isolados no saguão reservado às autoridades. Pelo pouco que podíamos espiar, a visão era de pesar. Dentro, a vida continuava. Entre 4h30 e 5h da manhã, alguns passageiros tentavam remarcar suas viagens -canceladas de sopetão por causa da tragédia da noite anterior. Desmarcar vôo, nem pensar. Tem que viajar, trabalhar, ganhar a vida.

Entre os colegas jornalistas, a preocupação maior era captar as informações, imagens, não tomar furo da concorrência. "Quantos corpos foram resgatados? De quem é a culpa?" Distanciamento profissional, pensei. Isso até mais ou menos 7h, quando uma TV em um café mostrou imagens dos parentes dos passageiros do vôo 3504, desesperados, recebendo a notícia do desastre. Até então, no local, não se via cenas de gente lamentando os mortos, mesmo com uma multidão permanecendo ao lado do crematório a céu aberto por horas.

Era a informação que faltava para conectar a mera curiosidade popular com a realidade de que em torno de 200 pessoas morreram no pior desastre da história da aviação brasileira. E, infelizmente, uma realidade praticamente ignorada pelo bando preocupado em assistir ao palco da tragédia. Será que o interesse geral das pessoas é sempre maior com o "show" do que com as soluções para os problemas do país? (postado por Pedro Marques, repórter do UOL News)

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